quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Tem valores que não mudam

Acordava cedo, em um quarto pequeno de apartamento, no meio da cidade grande. Comia fatias de pão integral com queijo minas, porque tinha que cuidar a alimentação. O achocolatado era light pra ajudar na perda de peso. Esperava a avó chegar, e iam de mãos dadas percorrendo as ruas cinzentas e mal cheirosas do bairro.
Entravam no clube e paqueravam os doces e crepes da feirinha. Não podiam, ambas, comer nada daquilo. Seguiam para o ginásio, preferiam as escadas ao elevador, e entravam na quadra. A professora e as colegas já estavam a postos, se alongando, umas ainda por chegar. Calçava a sapatilha, o que por sinal detestava, e se juntava às outras no chão empoeirado. Com o passar do tempo as músicas começavam a tocar e a coreografia deveria estar na ponta da língua, ou no corpo todo, como preferir. Fitas, bolas e arcos, certo contorcionismo e elasticidade, rostos concentrados, movimentos que tentavam se ritmar e o orgulho de quem assistia suas pequenas dançarinas tomavam conta do espaço escuro. Ao final de uma hora, as câimbras começavam e as sapatilhas surradas ficavam de lado, finalmente.
Já estava em tempo de voltar para casa, mas não sem antes seguir as ordens da nutricionista e tomar um iogurte de fruta já envelhecido da geladeira de casa. Mais uma vez os doces eram uma tentação, mas a barriga maior do que devia, acentuada pelo collant vermelho do clube, não a deixava esquecer as restrições.
O choro nunca veio e a aparência nunca foi um problema, muito menos um propósito. E assim a menina gordinha cresceu, vendo suas amigas desaparecerem debaixo de maquiagem, enfiadas dentro da academia. Isso também nunca foi um problema. Cada um esconde o que quer, mas essa menina sabe quem é amiga de verdade.

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