terça-feira, 29 de março de 2011

Temporal

Se pudesses estar aqui, meu bem, enquanto minha caneta borra as gotas de chuva que já caem. Se pudesses estar aqui, meu bem, ver o tempo virar de repente, as nuvens passarem tão rápido. Se pudesses estar aqui, meu bem, acompanhar-me nesse caminho de rios. Se pudesses estar aqui, meu bem, verias lagrimas se confundirem na chuva; e saberias então, que estas são tuas. Lagrimas de ti, lagrimas pra ti, que eu esperava lhe fazerem voltar atrás.
Mas não são lagrimas minhas, nem finja se preocupar. Por mais que eu queira, parece impossível chorar. Imagino-me naquela praia, naquelas pedras, com aquelas luzes, aquele mar, aqueles bancos e aquelas estrelas. Chorar não seria o mais correto a se dizer, o que preciso mesmo é uma lagrima, apenas uma, escorrendo pelo meu rosto, desmanchando meu sorriso e destruindo a indestrutibilidade. Em qualquer lugar, a qualquer momento, eu imploro até mesmo às forças sobrenaturais que desacredito.
Deito a cabeça sobre o caderno escrito e eis que ela surge. Como sempre, leva meus pensamentos e destroça minhas palavras. São meras letras, afinal.

segunda-feira, 28 de março de 2011

Dia de Nada

Hoje eu gastei, passei horas em frente ao espelho me arrumando pra você. Lavei, sequei e passei o vestido que você gosta; escovei todo o couro da minha sandália e até dispensei o mais elegante salto alto, porque sei como detestas ser o mais baixo; preguei o botão que faltava na bolsa, aquela que me desse quando completamos quatro meses; prendi o cabelo pra não te dar trabalho; e, com todo o dinheiro que não gastei com manicure nos últimos meses, comprei lingeries que, imaginei, irias gostar. Mas você não telefonou, não escreveu e aposto que nem sequer pensou em mim. E eu fui tola, de novamente te querer onde jamais poderias estar, ao meu lado.

domingo, 27 de março de 2011

Querido Lar

Corro para não perder o ultimo ônibus da noite, sento-me com as pernas cansadas e o coração disparado, espero a partida em meio ao vazio terminal do madrugar de sábado.
Passam as ruas, as curvas, as árvores, os carros, as pessoas, os shoppings, as lojas, minha casa. Passam os morros, e o céu desaba sobre a janela daquele grande automóvel. O pára-brisa desliza no enorme vitral da frente, a corrida de gotas na janela termina ao piscar dos olhos e as cadeiras se esvaziam igualmente velozes. Chamo a atenção do motorista, solicito que pare e me jogo escada abaixo.
O que eu quero mesmo é pensar, deitar na areia e observar as luzes acesas do outro lado do mar. Relatar para mim mesma a quão esforçada eu fui, a fim de estar aqui, e agora as nuvens choram tanto que me impedem de fazê-lo.
Aguardo ansiosa pelo dia seguinte, me reviro à noite toda na cama da qual pretendo me livrar, mau acordo e já calço os tênis para ir te visitar. A caminhada não é longa, mas o que fazem estes desocupados na minha praia? Não veem, ela é imprópria para banho, e também suas calçadas eu ocupo. Removam suas músicas, vistam-se mais do que apenas as roupas intimas que agora usam, e saiam deste lugar. Mais uma vez, dou meia volta e me retiro; de minha casa fui mandada embora, de onde mais serei agora?

segunda-feira, 21 de março de 2011

Mesmo de costas, ainda posso escutar

Pedes sinceridade, não negue. Pedes e gostas. Às vezes gostas tanto que desgostas. E desgostosa como tu, não conheço a mais ninguém. De tanta amargura, passas a tarde sentada olhando fixo na parede branca; e sim, olhas na parede e não para a parede. Momentos assim e te pego olhando ao professor, lacrimejando tristeza que só. Pare, apenas pare de fingir não se importar. Acham-te forte o bastante para aguentar, mas toda essa armadura é puro papel alumínio, sabes bem. Imagino que concordes, espero que entendas; teus adversários são mais fracos. Esqueça, não é você que pretendo enganar. Acredite no que estais a pensar, tudo tem um fundo de verdade; e se essa verdade for colocar você como segunda opção, aceite, aceite e saia à francesa; busque refúgio onde for longe o bastante para esqueceres. Deixe que sintam a sua falta, e pode ter certeza que vão. Talvez fosse melhor não escutares o que falo e não seguires o que digo. Você pode, e provavelmente não vai, fazer falta alguma. Ao contrário, tua ida os fará bem. Dedicar-se-ão uns aos outros, sem nem se preocuparem com justificativas para suas ausências enquanto fingiam dar-te atenção.

domingo, 20 de março de 2011

Não me recheie isto de caramelo

Faça bom proveito do cheiro que deixei na tua camisa e do sabor que deixei na tua boca. Não paro de rir da sua pele arrepiada quando te toquei e no seu ouvido sussurrei. Não se dê ao trabalho de lembrar meu nome, sinto náuseas quando o pronuncia. Não se faça lembrar hoje, deixe essas coisas se perderem na memória, e agora cale a boca, me deixe ir embora, para nunca mais.
Aulinhas pra crianças; ensiná-las que não foram cegonhas que trouxeram elas ao mundo, eu até entendo, mas explicar essas coisas pra você já acho um exagero. Mostrar pros jovens que eles devem se prevenir nessas horas, eu concordo, mas te ensinar o que muitos deles mesmos sabem, é pedir demais.
Lembra das algemas que você usou quando estava na prisão? Elas vão te ajudar a não perder a mulher na primeira noite. Aqueles arcos de diabinho que sobram no final de toda festa à fantasia, também podem ser úteis. Vais precisar de um pouco de álcool pra ficar mais selvagem, pode apostar, mas acho que uma vodka barata dá conta. É importante não se esqueceres de pegar camisinha no posto de saúde, do menor tamanho mesmo, não se preocupe, só não queremos filhos pra você cuidar no futuro; você não seria um bom pai.
E finalmente,
Adeus

sábado, 19 de março de 2011

Domingo à noite

Perdão, com licença, vossa senhoria permitiria-me contar uma história?
Bem, sabes como passam os dias, certo? Comer, beber, dormir e escrever; assim passam os dias. Dentro desta rotina, portanto, como o nascer do Sol e da Lua, repetindo a todo o momento o vício das horas que não param. Esperei passar e caminhei junto, da Estrela Cadente fugindo de uma monotonia nervosa. Para bastante longe eu fui, dei adeus ao silencio que me sucumbia, desossava e destroçava, e mergulhei, apenas mergulhei, no vácuo.
Em alguma garagem vazia me sentei; na cadeira de praia amarela me recostei; cansada de saltar estrelas, desmoronei.

quinta-feira, 17 de março de 2011

Piscina de Manteiga

Derreto-me e desfaleço; de rosto pálido escureço, a vista cansada de mulher mal amada; e no final desmereço.
O brilho da prata, beleza ingrata; quero-te junto, mas não há assunto. Pingentes de ouro, como tesouro; armas de diamante para seguirmos adiante; mas não adianta riqueza, quando não se tem franqueza.
Falta-me algo, falta-me salgo, falta-me ar, falta-te amar.

segunda-feira, 14 de março de 2011

Eis o leão

Não me peça para descrever o que vejo, não me peça para escrever o que penso, não me peça para sair da frente da janela neste dia chuvoso, porque eu ainda quero ver o mundo desabar.
Permita-me passar o dia nessa cama de viúva, cantando as canções que sempre me fizeram mal, tentando voltar no dia em que arremessei meu violão do terceiro andar, pensando nas coisas ruins da vida, olhando para a parede rabiscada de alguém que sequer conheço, abraçando o ar frio e lamentando as flores da vizinha. Deixe-me aqui, sozinha ou com um milhão de pessoas, só porque faz bem para a alma; e vá você desenhar na folha branca que teu professor pediu.

quarta-feira, 9 de março de 2011

Boa Noite Cinderela

O meu amor é canibal, se fortalece ao mesmo tempo em que se destrói. Porque é tão difícil escrever? Minhas pernas tremem cansadas sobre o colchão pintado de roxo. Há também o texto da floresta negra, não posso me esquecer, mas agora não tem clima. O da pracinha também era razoável. Será possível as pessoas apenas reclamarem? Impressiona-me a quantidade de vizinhos inconformados que nos perseguem todos os dias. A sujeira no chão da cidade não pode se apagar enquanto não ganhar de presente canetinhas coloridas, e nem a blusa preta mergulhar nas águas desinfetantes do escuro serviço doméstico. Dormirei então, sobre o colchão de sangues duvidosos, e contarei, portanto, à fantasia de girafa, tudo o que aconteceu, para que relatos não me faltem, quando a saudade bater na porta.

quarta-feira, 2 de março de 2011

Luva térmica

Fritura com gosto de velha guardada na geladeira é o que há. Requentada sobre o prato depois da mordida que me queimou a boca, pior apenas com a lágrima que me escorreu o rosto e no calor se perdeu.
Uvas verdes bem na frente, que não consigo nem fitar com os olhos. E uma verdade tentando se fazer, confunde ainda mais aquilo tudo com o qual eu vinha convivendo. O pai chama, os dedos correm para secar a tristeza em água, deixam os olhos ainda mais vermelhos e aparentes. O que aconteceu? Nada. É a resposta que todos escutam, mas não tem sinceridade daquela que a emite.

terça-feira, 1 de março de 2011

E se fizerem?

Porque sempre no mesmo caminho? Sempre escutando musica? Sempre refletindo? Sempre sorrindo? Porque sempre sob o sol? Sempre ventando? Sempre o céu azul? Sempre a grama fresca?
Porque sempre o mesmo tudo, igual ao tudo de ontem e antes de ontem ainda, pra tirar estas conclusões? A singela reta de calçamentos que me leva em um caminho torto até a confusão do amar, é também aquela que deveria me fazer deitar até a hora de despertar.